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A MINHA HISTÓRIA, O MEU FUTURO
Nasci com um pé no funk e outro no blues, na década de 1970 em Nova York, no South Bronx, nos bairros Mott Haven, Melrose e Port Morris. Naquela época, a região passava por uma fase de podridão urbana, perdeu cerca de trezentos mil habitantes e as propriedades abandonadas eram incendiadas diariamente, deixando a área coberta por fumaça. Cresci em áreas onde o crime, a violência e a luta entre gangues por território reinavam. Os jovens da região encontraram em mim, formas de manifestar e contestar as desigualdades, a pobreza, a humilhação, a falta de oportunidades e o preconceito ao qual eram submetidos. Aos poucos, eu entrei em festas e discotecas, como a famosa The Factory. Marquei os muros das cidades com o Grafitti, com desenhos que refletiam a realidade dos jovens, com imagens em forma de protesto. Em pouco tempo eu conquistei espaço no país inteiro.
Na década seguinte, eu cheguei ao Brasil. Desembarquei na cidade de São Paulo, promovi encontros entre os B-Boys, que dançavam Break na Rua 24 de Maio, no centrão, onde ficavam os Crews, que participavam dos rachas. Após conflitos com a polícia, que tinha muito preconceito contra o nosso style, os encontros mudaram para a Estação São Bento do metrô. Em 1984 o grupo Public Enemy, fruto deixado por mim nos Estados Unidos, me apresentou para uma a galera sangue bom no Brasil, assim, me espalhei rapidamente pelo país. Apenas quatro anos depois, em 1988, dei vida ao meu primeiro filho brasileiro, o álbum de rap “Hip-Hop Cultura de Rua”.
PRIMEIRO LP
Thaíde e DJ Hum
Código 13
Mc Jack
O Credo
Hip-Hop Cultura de Rua é a primeira coletânea de rap brasileira, lançada em 1988, uma semana antes do LP Consciência Black, Vol. I. Enquanto o Consciência Black deu início à carreira do grupo Racionais MC's, o Hip-Hop Cultura de Rua foi o começo para a dupla Thaíde & DJ Hum.
Além da dupla, foram lançados os grupos Código 13, MC Jack, e O Credo. Os produtores foram Nasi e André Jung, ambos da banda de rock Ira!, que ficaram responsáveis pelas músicas do Thaíde e DJ Hum. Akira S produziu as músicas do Credo e Dudu Marote, da banda Tarsila, MC Jack e Código 13.
Navegue pela linha do tempo a seguir para conhecer os principais acontecimentos da história do Hip Hop. É só clicar nos cantos da página.
THE KING NINO BROWN
A história do Hip Hop não é contada só pela música. A memória está guardada e vive em King Nino Brown, o Rei Zulu.
NÃO QUERO GUARDAR RANCOR DE NINGUÉM, A VINGANÇA DESTRÓI PRIMEIRO O VINGADOR
NELSON TRIUNFO: DE JAMES BROWN À LUIZ GONZAGA
Naquele final de tarde de uma sexta-feira no centro de São Paulo, em meio às inúmeras pessoas que circulavam pela Galeria do Rock, pensei que iria reconhecer o meu entrevistado pelo longo cabelo black power. Uma de suas características físicas mais marcantes, a cabeleira armada, o acompanha desde a cidade natal, Triunfo, no estado de Pernambuco.
No município de Paulo Afonso, onde morou aos 15 anos para estudar, “olha lá o Nelsinho” é como as pessoas se referem até hoje aos moradores da cidade que, como ele, optam por deixar os fios de cabelo no estilo black power.
Não foi pela cabeleira que o reconheci, mas pela calça laranja fluorescente que vestia. O famoso black power estava cerrado em uma boina de cor verde feita de crochê. Os pés calçavam um tênis azul e os braços protegiam-se do frio com uma camisa marrom com listras.
Tantas cores juntas foram o suficiente para que eu soubesse que aquele era Nelson Triunfo, o matuto que saiu do Sertão para virar mano, e ser humano, em São Paulo, como ele mesmo gosta de dizer.
Pioneiro da dança break e do movimento hip hop no Brasil, Triunfo se auto denomina como “a verdadeira diversidade em pessoa”. Quando chegou à capital paulista, em 1977, morou no bairro do Bixiga e desfilou com a escola de samba “Vai-Vai”. O resultado foi o primeiro título dado à escola de “Melhor Passista do Carnaval de São Paulo”.
“Sempre gostei de dançar, adorava frevo, maracutu. Quem pensar que Nelson Triunfo é só hip hop, tá completamente enganado. Eu sou, digamos, até que mais que hip hop. Eu sou um cara do reggae, eu sou do teatro, do futebol, da culinária, eu sou da capoeira, eu sou de tudo aquilo que eu aprecio e tenho respeito”.
A diversidade o acompanha até nas pessoas que o cumprimentam. Enquanto nos dirigíamos à Galeria Presidente para realizar a entrevista, Nelson Triunfo era parado a cada passo que dava por um “como vai?” e uma conversa rápida, vinda de quase todos que perambulavam ali.
Sem manter os padrões dos admiradores que seguem as personalidades com quem simpatizam, as pessoas que falavam com Triunfo eram trabalhadores, muitos informais, da região, crianças, moradores do centro, donos de lojas, jovens e transeuntes que faziam daquele lugar seu ponto de passagem para outros locais de São Paulo.
“Até parece que eu trabalho ou moro aqui, né?”, disse ele ao perceber que fiquei impressionada com os inúmeros cumprimentos. “É que eu conheço todo mundo. Da molecada eu sou tipo paizão. Eles mexem comigo, eu não tenho moral nenhuma, eles gostam de mim mas zoam comigo”.
Estávamos há mais de 10 quilômetros de onde Nelson Triunfo mora, no bairro da Penha. Ali, nos encontrávamos próximos à esquina da Avenida São João com a Rua 24 de Maio, onde o hip hop começou a deslanchar no Brasil. O local preserva uma placa que reconhece a região como o marco zero do movimento hip hop. Entre os nomes, gravados na pedra de granito, está o de Nelson Triunfo.
Foi no começo dos anos 80 que o grupo “Nelson Triunfo Funk & Cia” começou a dançar nas calçadas da 24 de Maio. Desde 1977 o grupo estreava com os passos de robótica nas viagens que fazia em todo o Brasil para apresentar o novo estilo de balançar o corpo.
Dançarino já na juventude, quando saiu da cidade de Paulo Afonso, o pernambucano lembra que adorava, quando molequinho, os sons dos musicais de Jerry Stead, Jerry Lewis, Frank Sinatra e Carmen Miranda.
Mas, no centro de São Paulo, as pedras que revestiam o chão eram boas para deslizar os passos de break, uma das vertentes que compõem o movimento hip hop.
“No início de 1983, a primeira dança da gente foi na frente do Teatro Municipal, e já foi também a primeira vez que nós fomos parados, porque os guardas do teatro ‘veio’ e disse que nós não podíamos dançar ali”.
Era o governo de João Figueiredo e, apesar do começo da abertura democrática, o direito a se expor artisticamente na rua ainda não era bem visto pelo mantedores da ordem. Nessa época, de acordo com as suas palavras, Triunfo já era um rebelde. Mas faz questão de frisar que era um rebelde com causa.
“A gente ia mais pra dançar, pra se divertir. Claro, quem dança tem que se divertir, porque é gostoso dançar. Mas eu não sei o que é que tem de divertimento você apanhar, num dia ir preso, e no outro dia você estar lá de novo. Isso pra quem tem inteligência, vai saber que se chama resistência”.
Um tanto quanto visionário, Triunfo relata que à época já unia os diversos tipos de dança. Há alguns anos atrás, a mistura de estilos considerada recente recebeu o nome de “dança freestyle”. “Isso eu já fazia desde 1984”, conta.
E acrescenta: “Eu misturei tudo, frevo, maracatu. Eu criei vários estilos da dança de rua, principalmente do original funk, que mais tarde foi responsável por várias derivações laterais de outros estilos, que hoje chamamos de danças urbanas”.
Não só inovador na dança, o dançarino é pioneiro no desenvolvimento de trabalhos sociais com a juventude periférica. Fundador da Casa do Hip Hop de Diadema, ele também deu oficinas sobre os quatro elementos do movimento, entre eles os passos da dança break. Além disso, havia no local pintura de tela com a terceira idade, aulas de forró, violão e percussão.
As atividades desenvolvidas na Casa do Hip Hop deram tanto resultado que pessoas do mundo todo foram a Diadema aprender como o trabalho era feito. Questionado sobre como conseguiu envolver os jovens da periferia nas oficinas, Triunfo responde com a satisfação e alegria de quem formou dançarinos que hoje são campeões mundiais da dança break:
“Se você respeitá-los, você saberá que também vai ter o respeito deles. Mas quando você mostrar medo, eles vão ler isso nos seus olhos e vão se bloquear de você porque vão saber que você não é um deles. Por isso, antes de eu cobrar qualquer coisa, eu criava vínculos. E eu também vivia em periferia, então eu conhecia a linguagem deles”.
E foi na periferia de São Paulo que Triunfo passou um dos dramas que as comunidades mais vivenciam e que até hoje ele traduz como o momento mais difícil da sua vida. Em 1985 perdeu tudo o que tinha – desde documentos até eletrodomésticos – devido a uma enchente que devastou a região onde morava.
Por nadar nos dois metros de água que cobriram sua casa, contraiu uma mancha no pulmão que demorou mais de 6 meses para ser curada. Sobreviveu com benefícios financeiros do governo e “favores dos irmãos”. Afastou-se da música e da dança e, só em 1986, voltou à cena do movimento hip hop quando os dançarinos de break estavam em transição para a região da São Bento.
Hoje, mais de 30 anos depois de ter dado o pontapé inicial no desenvolvimento do break e do hip hop no Brasil, Nelson Triunfo se considera como o “verdadeiro underground”. Sem ser contratado pela grande mídia, é o artista brasileiro que mais permanece em evidência. Para ele, um fato que não pode passar batido, um grande exemplo de perseverança.
Entretanto, apesar das palavras alegres de persistência, Triunfo logo revela um outro lado do seu trabalho quando diz que “a dança me prendeu um pouco”. Hoje, uma das suas lutas está em ser reconhecido como alguém que faz e é muito mais do que o “primeiro cara do hip hop nacional”. Nelson Gonçalves Campos Filho busca hoje ser visto como poeta, músico, educador social, palestrante, cantor e ator.
No auge do seus 64 anos ele reforça que não é mais aquele moleque que passava o dia ensaiando os passos de break. “Os joelhos vão dando sinais e eu já não faço muito aquilo que eu fazia. Claro que eu ainda sei dançar algumas coisas, mas muitas coisas eu já não faço para me precaver de algum problema físico, porque a gente também tem que respeitar os tempos. Mas agora eu penso que eu posso muito mais cantar, que não vai precisar de tanta força física, dançar um pouco dentro do possível”.
Com um olhar sonhador, mas distante, Triunfo crava: “O Brasil ainda vai ter que me conhecer, se Deus quiser, como um grande compositor, como um grande cantor, porque eu tenho letras interessantes. Eu faço poesia, eu escrevo, vou desde maracatu ao reggae”.
Como se precisasse provar que sabe do que está falando e não fosse grande por tudo o que representa e ainda é, ele recita um poema reggae que fez ali, para mim, sentado em uma cadeira em frente de uma barbearia qualquer da Galeria Presidente.
"Seguindo o curso das águas, posso lavar todas as mágoas. Às vezes estou só eu, mas no pensamento há gente, porque eu sei se um grande amor for seu, mesmo no frio, há clima quente. Seguindo o curso das águas, posso lavar todas as mágoas, e se o mundo ainda não mudou, pelos menos ainda acredito no amor. Não quero guardar rancor de ninguém, a vingança destrói primeiro o vingador. Seguindo o curso das águas, posso lavar todas as mágoas, ouvi que você cantou para mim, e me fez bem feliz, feliz, assim."
Rebeldia, resistência e independência são mesmo as palavras que guiaram as escolhas e a vida de Triunfo. Até quando era um jovem “caipira na cidade” do Nordeste, o pernambucano já enfrentava os discursos recheados de preconceito e machismo quando suas pretensões pela diversidade cultural eram representadas nas suas roupas multicoloridas. Ele conta que foi um dos primeiros caras a usar uma calça vermelha na escola.
Mas o “primeiro cara do hip hop nacional” nunca se deixou levar pelas zombarias que ouvia sobre seu estilo. Como alguém criada na geração millennial que caracterizou a chacota como bullying, minha primeira preocupação foi saber se isso não afetou de alguma forma as crenças e percepções que Triunfo tinha sobre si mesmo.
E, como alguém que esteve sempre muito à frente de todas as gerações, o meu entrevistado riu da minha pergunta e disse com um ar de satisfação que me fez entender com quem eu estava falando:
“Eu adorava provocar. Eu não falava nada quando alguém tirava um barato e tal, mas na minha mente eu falava 'vai se foder, caralho'. Entendeu como que era? Na minha mente eu era foda. Eu era radical, no sentido de inteligência, porque eu achava que eles eram ainda muito imaturos e eu era um moleque que andava show de bola, na caneta, no francês, em tudo. E eles iam me julgar, se lascavam. Porque eu lia pra caramba, e acabava com eles.”
Pernambucano nato, Nelson Triunfo foi e é muito mais do que mano e ser humano em São Paulo. Como forma de evolução, ele logo percebeu que procurar o Nordeste nas ruas da maior cidade da América Latina era perda de tempo e que cada lugar tinha sua própria alma, seu próprio jeito e estilo de ser. Para não ser só mais um solitário na capital paulista, o grande pioneiro do hip hop nacional aprendeu que não poderia ter a sua cidade em outra cidade.
Mas, quando questionado sobre como conquistou esse jeito leve e desapegado, é o Nordeste, terra natal, que traz como resposta: “Minha evolução nasceu de uma coisa própria de Pernambuco, porque em alguns estados no Nordeste, eles tinham uma coisa muito voltada para a sabedoria de onde surgiram vários poetas. Isso que eu tenho, essa curiosidade, vem de nascença, eu sempre quis saber o que estava acontecendo”.
Vertente do hip hop, o rap, para Triunfo, é uma poesia popular. Uma forma de cantar falado ou uma levada, como o seu jeito nordestino gosta de caracterizar. Para ele, o reggaeiro mais antigo é Luiz Gonzaga, mas não deixa de reconhecer Bob Marley. “Um era feito com sanfona, zabumba e triângulo, e o outro feito com bateria, contrabaixo, guitarra. Um tinha uma viradinha mais moderna e isso mostra também que tudo evolui”.
E ainda bem que a Evolução do Nordeste, fã de James Brown e Luiz Gonzaga, veio parar em São Paulo. E em todo o Brasil. E em todo mundo.
ENCONTRE O BEAT EM SÃO PAULO
Seja em Diadema, Mauá ou em São Paulo, o conhecimento é passado de geração em geração. As Casas do Hip Hop são um espaço de aprendizado para todos que querem ser parte do movimento.
Clique nos discos e saiba um pouquinho sobre cada casa do Hip Hop em São Paulo.
O RAP NO TEMPO
Como qualquer outro gênero musical, o rap sofreu diversas transformações ao longo de sua existência. Na série de reportagens especiais "O Rap No Tempo" conheceremos em seis episódios a trajetória desse gênero musical, os discos brasileiros que marcaram a época nos anos 90 e 2000, as diferenças entre o rap de protesto e as novas produções, a forma de capitalização da música e as transformações que o som tem sofrido.
NO PASSO DO BREAK
O breakdance foi criado em Nova York em 1970 por afro-americanos e latinos. Chegou ao Brasil na década seguinte. O palco era a Rua 24 de Maio e o Largo São Bento. O estilo de dança de rua faz parte da cultura do Hip-Hop e normalmente é praticada ao som do rap ou do funk.

Para dançar break não basta mexer os pés e fazer algumas acrobacias. Como em qualquer outro estilo de dança, cada passo tem seu nome e jeito certo de ser executado. A equipe do 'Solta o Beat' convidou o dançarino Gabriel Pereira para demonstrar alguns dos passos mais importantes para uma apresentação de break. Ele tem oito anos de prática com o estilo e também já fez balé.
TOP ROCK
É a apresentação do dançarino para o público e o começo de toda entrada. É o truque que dá a maior abertura para o dançarino mostrar sua personalidade, seja através de brincadeiras ou ameaças.
FOOTWORK

Os saltos mortais não são exclusividade do break dance, mas servem para chamar atenção em rodas deste estilo de dança, chamadas de 'cyphers'.
Para dançar break não basta mexer os pés e fazer algumas acrobacias. Como em qualquer outro estilo de dança, cada passo tem seu nome e jeito certo de ser executado. A equipe do 'Solta o Beat' convidou o dançarino Gabriel Pereira para demonstrar alguns dos passos mais importantes para uma apresentação de break. Ele tem oito anos de prática com o estilo e também já fez balé.
TOP ROCK
É a apresentação do dançarino para o público e o começo de toda entrada. É o truque que dá a maior abertura para o dançarino mostrar sua personalidade, seja através de brincadeiras ou ameaças.

É a base para os truques de chão com passos. Pode ser visto também em conjunto com o "six step", um truque de seis passos que possibilita ao dançarino encaixar outros truques.
FOOTWORK

Passo usado para conseguir embalo com o pé e iniciar outros truques no chão. Pode também ser utilizado por conta própria para "brincar" e encontrar outras variações.
CORTA CAPIM

São as paradas das entradas e usadas para acompanhar o ritmo da música caso haja pausas ou alguma batida que se diferenciem das demais. São muito usados no fim das entradas como um ponto final de cada.
FREEZE
NO PASSO DO BREAK
O breakdance foi criado em Nova York em 1970 por afro-americanos e latinos. Chegou ao Brasil na década seguinte. O palco era a Rua 24 de Maio e o Largo São Bento. O estilo de dança de rua faz parte da cultura do Hip-Hop e normalmente é praticada ao som do rap ou do funk.

Os saltos mortais não são exclusividade do break dance, mas servem para chamar atenção em rodas deste estilo de dança, chamadas de 'cyphers'.
SALTO MORTAL

Dançarino: Gabriel Pereira
Fotos: Giovanni Tartaro
Arte: Natália Rossi
QUANTOS NÃO FECHARAM AS PORTAS PARA MIM E HOJE ME CHAMAM PARA TOCAR?
Foto: Maria Cecília Reina/Solta o Beat
ERICK JAY - O PSICÓLOGO DAS PISTAS
38 anos. Paulista. DJ. Erick Garcia, popularmente conhecido como Erick Jay, é um dos maiores artistas brasileiros na cena do Hip Hop. Já dançou break, trabalha no programa Manos e Minas, da TV Cultura, e há 20 anos é um dos DJs reconhecidos internacionalmente. Erick foi o primeiro latino americano a vencer o campeonato de DJs mais prestigiado do mundo, o DCM World, nos Estados Unidos. Uma história que começou nas quebradas de São Paulo e hoje percorre o planeta.
O que te trouxe para o hip hop?
Eu morava no bairro Belenzinho, em São Paulo. Em casa, meu irmão dançava break, ele ia para os bailes e meu pai era DJ. Na época, 1980, 1970, as equipes de bailes eram fortes aqui em São Paulo. Chic Show, Kaskatas, eram as equipes que faziam os bailes, só que era só de quebrada, só de vila. Meu pai tinha muitos discos e acredito que esse foi o início de tudo - ele ouvia os discos e eu prestava atenção.
Você começou dançando break?
Eu era moleque, tinha oito anos em 1988 e adorava o filme Beat Street, que mostrava os quatro elementos do hip hop, gravado em 1984. E eu via os caras dançando e falava “caramba”. Depois comecei a andar com os amigos da quebrada que dançavam também. Um deles, o Ruquinho, era mais velho e ia para São Bento. A minha vida era dançar só, eu lembro que treinava, a gente punha o decorflex no chão, a fórmica, e ficava dançando na rua. E os caras falavam “vamos pra São Bento”.
Você chegou a frequentar bastante a São Bento?
Eu peguei na final da São Bento, porque eles dançavam e os seguranças, os policiais começaram a espirrar os caras de lá com bomba de gás. O espaço a gente usa desde 86, mas de tanta repressão acabou.
Depois os encontros lá acabaram?
Agora eles voltaram, mas acho que é feito pelo governo e tem uma vez por mês. Só que não é mais a mesma coisa né? Antes era muito mais legal. Tanto que quem vai agora é galera da antiga, aqueles poucos que ainda são resistentes. Até a molecada que disputa mundial de dança, os caras não param mais assim. Deveria ser mais forte, porque para mim a dança, dos quatro elementos é o mais estruturado que tem. Depois vem os MCs.
Por que você decidiu ser DJ?
Sempre eu ia lá em cima ficava perto do DJ, vendo como ele conduzia a pista. A visão que ele tinha que era de três, quatro mil pessoas. O cara tocava, pegava o microfone, baixava, soltava música e a galera ia à loucura. E eu falava “mano, que domínio de pista, que visão ele tem”. Aí começou a minha paixão também por tocar. Uma coisa ligou a outra, eu ia para dançar, no intervalo eu via o DJ e essa paixão veio de casa também. Eu comecei a pesquisar música, equipamento, que é o mais difícil pra DJ no Brasil. Foi o início de tudo, tocar em casamento, festa de quinze anos. Só que eu queria uma coisa a mais, não queria ficar só tocando em casamento.
Qual é o verdadeiro papel de um DJ?
É levar conhecimento para as pessoas. Ele não tem que tocar só hits, tem que musicalizar as pessoas. Na real, ele é um “psicólogo”. As pessoas vão para o baile para se divertir. Você tem que saber lidar com todas as pessoas do baile ao mesmo tempo.
Você tem uma fórmula para saber qual tipo de batida tem que fazer, qual hit tocar?
A maioria do que eu toco é linha black, que eles falam. Eles me chamam assim “vai ter baile de hip hop não sei onde”, aí eu vou, já é do estilo que eu toco. Mas nem sempre a pista está preparada para ouvir um hip hop underground, bem desconhecido. Então você tem que ir ali fazer o teste. Você joga a música para ver se as pessoas vão. Se as pessoas forem, é isso. Aí você pega uma que todo mundo gosta, põe no meio e vai montando um quebra cabeça. Vai muito da vibe. Tem DJ que vai com o set montadinho, eu acho errado, por que às vezes a pista não vai andar com o seu set montadinho ali na sequência.
Quais as diferenças das músicas que tocava quando iniciou a carreira e atualmente?
Mudou muita coisa, mesmo assim ainda toco as antigas do início, mas na questão de educar, né? Eu procuro fazer sempre a mescla dos de antigamente e os novos. O hip hop é a música mais ouvida do mundo, então eles são máquinas que fazem.
Como você observa o rap hoje?
O rap evoluiu bem mais, estamos tocando num lugar que a gente não tocava, atingindo pessoas que não ouviam. Estamos com produtoras, a galera vindo atrás dos grupos, Que estão se profissionalizando, principalmente na questão de vídeo né, audiovisual, os clipes estão melhores. Estamos atingindo outros horizontes né, porque principalmente aqui no Brasil as pessoas não tratam o rap como música, é uma música como outra qualquer.
Você acha que o rap perdeu a origem contestadora?
Tem gente que não abre mão da essência, o público principalmente. Mas acredito que tem um monte de cara que faz rap hoje em dia ganhando milhões, tem fãs pra caramba, tem 10 milhões de visualizações no vídeo dele, mas ele não tem essência. Não tem o jeito de cantar, de se expressar. Se o cara ao menos dissesse “eu sou da quebrada, eu sei entrar e sair de qualquer lugar”, mantendo a humildade naqueles lugares, pelo menos é um dos pilares para manter a raiz do rap, porque a maioria de hoje em dia só esteve lá no início, fala de uma coisa que não vive.
Como foi sua participação no DMC?
O KL Jay do Racionais e o rapper Xis fizeram um campeonato chamado Hip Hop DJ, que era para revelar os talentos dos DJs que treinavam no quarto, os caras da periferia que só queriam oportunidade. Esse campeonato começou em 1997 e eu entrei para participar em 2002, mas eu acompanhava, porque passava na MTV. Ele foi a porta para que esse campeonato mundial chamado DMC (Disco Mix Club) voltasse para o Brasil. O DMC existe há 35 anos e ficou no Brasil de 1988 a 1996. Eu fui convidado para representar o Brasil em 2014. Em 2015, fui vice-campeão e em 2016, eu ganhei. Fui o primeiro DJ da América Latina a ganhar um título mundial, porque nesses tempos quem ganhava era só a elite, Estados Unidos, Japão, França, Inglaterra, Alemanha e Dinamarca.
E você já sofreu preconceito dessa elite?
Sim, até no DMC, mas foi mais questão do país. A galera não dá um real pelo Brasil Agora mudaram algumas coisas porque eu ganhei, e eles falam “não, eles não estão de brincadeira”. Mas quando a gente chegou lá, por incrível que pareça, a visão dos caras de nós era só carnaval, índio e mulher. Podemos não ter estrutura, mas nós podemos chegar aqui e bater de frente com qualquer um, o que manda é a criatividade. Porque lá os caras querem saber se você é bom e ponto, sem hipocrisia. Não posso chegar lá e ficar chorando, falar que viajei 12 horas, que tenho dificuldade, meus pais não têm equipamento. Não, os caras não querem saber disso aí. Vocês podem ter mais dinheiro, mas ideia, criatividade, gingado... Aquele gingado brasileiro que os DJs têm, vocês não têm, mano. Os caras são muito robóticos.
Como aconteceu sua entrada no Manos e Minas?
Eu ganhei o ‘Hip Hop DJ’ três vezes, em 2006, 2007 e 2008. Em 2008 recebi a proposta para trabalhar na TV, no Manos e Minas. Eu trabalhava de bater cartão. Numa noite eu recebo uma ligação e de dia eu já tenho que assinar contrato com a TV. Aí você vê, realmente, o que você plantou, o que acreditou, estava certo. Estou há 10 anos lá. Só que assim, eu falava “não quero só isso, eu quero mais, quero que o mundo saiba que em sou”.
Qual é sua obrigação com o hip hop?
Sempre mostrar que eles têm que acreditar no potencial, mesmo sem equipamento. Tem uma galera do hip hop que fala “você só é DJ se você tiver isso”. Então eu tenho que ficar falando para os caras que não, não tem nada a ver. Se num momento você só pode ter isso aí, faz com isso aí, meu. Depois se você quiser mudar de equipamento, você muda. Mas procura fazer o melhor que você faz, arrebenta, arregaça, com isso aí que você tem. O mundo dá voltas. Quantos não fecharam as portas para mim e hoje me chamam para tocar?
Você acha que a internet dá mais possibilidade para alguém evoluir como DJ?
Ela ajudou, mas você tem sempre que ser cauteloso, porque as pessoas são diferentes hoje em dia. Por isso que eu falo, “tenham cuidado com o que vocês estão falando”. tem tutorial, você consegue ser um DJ assistindo a um vídeo de 10 minutos. Você separa a sua playlist. Como ajudou os caras que não são DJs a tomarem o espaço de quem é DJ. Como a tecnologia, também. Hoje está tudo fácil. Mas tem um monte de gente que aproveita e Rouba espaço.
Além dos equipamentos, o que mais dificulta o cenário do trabalho e visibilidade de um DJ?
Eu acredito que os contatos. Ou você tem que estar trabalhando muito para ser reconhecido, ou você tem que estar na hora certa, naquela panela e dar certo. Porque existe uma barreira muito grande. teve alguns lugares que eu falei e até hoje falo “pô, os caras levaram todo mundo e não levam eu”. Fica uma panela. Tem DJ que todo mundo sabe que ele não sabe tocar, mas ele tem contato.
O que te inspira a continuar sendo DJ?
As pessoas que me param e falam que realmente eu fui importante na vida delas. Acho que isso é uma das motivações, ver o brilho no olhar do público, São poucas coisas que alimentam a gente a continuar acreditando no que é possível. Eu, quando ganhei, tinha vez que via os franceses comemorando, os caras dominavam o palco. Aí eu falava “mano, eu tenho o sonho de colar aqui e ver os brasileiros assim, felizes”. Felizes para chegar no nosso país e falar que fomos lá e dominamos. E depois que eu vi a reprodução que deu, mesmo não estando na TV, nos veículos grandes de comunicação. Nossa, muitos DJs compartilhando. Como foi chegando até as pessoas, os caras que eu admiro colocando foto minha. Acredito que aquilo que eu fiz é o certo. Então isso me alimenta.
Como está o cenário do hip hop hoje?
Acredito que o hip hop no Brasil é o terceiro do mundo. A gente não tem dinheiro igual os caras, igual as empresas investem neles, mas tem muita gente que faz, tem muita gente que dança no Brasil, tem muito b-boy, b-girl. Tem muitos MCs. Temos muitos grafiteiros talentosíssimos. Eu acho que só a minha categoria de DJ não está se expandindo muito. A gente está na terceira geração ainda, o que veio depois da gente foram dois ou três DJs só. Então isso é preocupante porque na dança toda hora tem moleque dançando, sempre tem MCs, o pessoal dos outros elementos está crescendo. Então eu estou meio que defensor da linha DJ.
E qual recado você dá aos futuros DJs?
Tem que andar com pessoas que acreditam em você. Se você ficar dando ouvido para as pessoas que ficam te desanimando, você vai estar menosprezando as pessoas que acreditam. Sempre procure seu espaço, respeitando os mais velhos. Eu sempre falo para eles não desistirem, eu conto só 30% do que eu já passei e falo, “tá vendo?”. Vocês estão numa bolha, estão na era digital, gente. É só baixar música, vocês não têm do que reclamar. Use seus talentos aí em cima do que você faz. Produz, faz uma remix das paradas, seja diferente do que está no mercado. Você tem que ser diferente.
A INTERNET E OS CLIPES DE RAP
O rap é um estilo musical forte no Brasil. Hoje, com a ascensão da mídia, é possível notar uma expansão ainda maior do gênero, principalmente por meio dos videoclipes.
Artistas antigos do rap ainda se mantém no topo de visualizações. O último clipe de Projota, “Mulher feita”, por exemplo, lançado no dia 28 de fevereiro desse ano, teve mais de 19 milhões de visualizações, com uma diferença de 171% a mais do que o clipe de “A música da mãe”, de Djonga, rapper mineiro que está crescendo no mercado, lançado também em 2018 e teve 11.206.260 acessos.
Essa diferença também pode ser vista comparando obras de outros artistas. Rincon Sapiência, BK, Rael, Emicida, Djonga e Mano Brown se uniram num som feito pela produtora Devastoprod, “O céu é o limite”, lançado em outubro de 2018. A junção de grandes rappers, como Mano Brown, integrante da banda Racionais MCs, um dos maiores marcos do rap brasileiro, com cantores iniciantes, porém conhecidos por suas letras de protesto e mescla de estilos, como Rincon Sapiência, teve um total de 162% visualizações a mais em relação ao som “Brasil Colônia”, da banda Oriente, lançado no mesmo mês e cuja letra é uma crítica à situação político-econômica do Brasil atualmente. A Oriente foi criada em 2009, mas só fez seu primeiro show em 2011.
Por outro lado, a internet trouxe consigo a maior visibilidade do rap acústico. Julgado por alguns como ‘gourmetização’ do estilo, essa vertente possui letras mais voltadas ao amor, aos sentimentos, e deixam de lado o protesto, que é a essência do rap. Em 2017, foram lançados dois acústicos que estouraram no Youtube. Um foi “Deixe-me ir”, da banda 1Kilo, que alcançou 286.654.508 visualizações. Outro foi o “Poesia Acústica #2 – Sobre Nós”, produzido pelo Brainstorm Estúdio em parceira com o Pineapple Storm TV, estúdio originado da marca Pineapple. Essa música conta com a participação de vários artistas, como a rapper Juyé, o Luiz Lins, Delacruz, entre outros, e possui 217.396.651 acessos.
Em comparação com a música “Ponta de lança”, de Rincon Sapiência, lançada em dezembro de 2016, que possui um toque de ritmos africanos, característica marcante no trabalho de Rincon, e está presente no único e famoso álbum do cantor, o rap acústico está muito mais à frente. Os dois acústicos representam uma diferença de 1729% e 1311% acessos a mais em relação ao single “Ponta de lança”.
Portanto, é claro que o rap está tomando proporções cada vez maiores e distintas em estilo, letra e acessos.
CHEGAR AQUI DE ONDE EU VIM É DESAFIAR A LEI DA GRAVIDADE; POBRE MORRE OU É PRESO NESSA IDADE”
Foto: Divulgação
O RAP TEM COR?
Era madrugada de sábado, véspera do segundo turno das eleições. O sol já dava as caras na janela da casa de show “Mansão Kauffmann”, em Santo André. Ao nosso lado sentava-se Gustavo Pereira, artisticamente conhecido como Djonga. Mineiro de Belo Horizonte, o rapper tem feito sucesso na nova cena do hip hop com álbuns que misturam crítica social, lazer e amor.
Depois de fazer um show no ABC Paulista regado à versos de romance e denúncia, gritos de “fogo nos racistas” e “ele não”, o ‘menino que queria ser Deus’ trouxe em suas palavras a origem e a cor daquilo que faz: rap, o estilo musical que nasceu em Nova York, na década de 70.
“O movimento hip hop surge de uma necessidade dos negros dos Estados Unidos de levarem diversão para a comunidade e substituírem a guerra que acontecia entre os jovens da época, que era na bala, na porrada”, conta o rapper, que acredita que este propósito de criação perdura até hoje, como bem mostra em suas canções.
“Chegar aqui de onde eu vim é desafiar a lei da gravidade; pobre morre ou é preso nessa idade”, são os versos entoados por Djonga na música Junho de 94, lançado em março deste ano no álbum “O Menino Que Queria Ser Deus”.
Apesar de reconhecer a origem preta e periférica do rap, Gustavo acredita que isso não impede que o som seja feito por e para pessoas brancas. Quem ouve a música ‘Olho de Tigre’ pode até pensar o contrário – “Um boy branco, me pediu um high five, confundi com um Heil, Hitler”, mas segundo o cantor, o rap pode contar com a participação de todos.
“Como forma de expressão artística, não cabe a alguém interromper o processo de uma pessoa de participar de uma cultura. Cultura tá aí e é pra participar. De um modo geral, acho que sem essa conjunção de fatores vira uma submúsica. Por que todo mundo pode fazer MPB, bossa nova e todo mundo não pode fazer rap? A partir do momento em que você começa a restringir demais, a gente vira uma submúsica. A gente não consegue ter a legitimidade de músico mesmo, de um cara que consegue se comunicar com todas as esferas da sociedade ”, explica o rapper.
A questão envolve mais do que a cor de quem o canta, já que fala também sobre o que é cantado. Denúncias e protesto sobre a desigualdade social e racial não definem mais o estilo musical do hip hop hoje. Amor, dinheiro e cotidiano tornaram-se temas frequentes nas rimas cantadas.
A POESIA VIVA NO BRASIL
Chicago, 1980. Junto com o hip hop, surgia a poesia falada. Esta, apresentada para o povo, tomou forma de grandes campeonatos, que chegaram ao Brasil nos anos 2000. Hoje, as batalhas de poesia são consideradas um movimento social, cultural e artístico, que dão voz ao povo da periferia e exaltam a realidade vivida pelo mesmo.
O slam é um grito de “reexistência”.
ERA TUDO DIFÍCIL, MAS INSISTI, PORQUE EU ME APAIXONEI PELO RAP
Foto: Divulgação
EMOÇÃO ANTES DO PENSAMENTO
Assistimos o show do Gabriel O Pensador na Áudio Club, em São Paulo, realizado no dia 10 de novembro. Depois de cantar sucessos acompanhado pelo público, o cantor de “Eu matei O Presidente” bateu um papo descontraído com a equipe do Solta O Beat sobre a sua trajetória no hip hop.
Quando você desenvolveu seu interesse pelo hip hop?
Eu comecei a gostar de rap quando eu tinha uns 10 anos. Em 1984, saiu o filme Beat Street, que foi uma grande influência para mim. O personagem principal do filme era o grafiteiro, e eu já pichava muro com spray. Quando eu fui me dedicar mais a isso, dos 16 para os 17 anos de idade, os Racionais já tinham gravado um disco, e o Thaíde também. Isso chegou aos meus ouvidos e eu achei do c* saber que tinha brasileiros fazendo rap, mas ainda tinham pouquíssimos caras rimando. Com 18 anos, eu comecei a fazer muita letra, e cantava timidamente numa festa aqui outra ali, com um cara fazendo Beatbox ou uma batida instrumental que a gente conseguia, porque era tudo difícil. Mas insisti, porque eu me apaixonei pelo rap.
Você é conhecido pela mistura de outros gêneros musicais ao rap, como o reggae na música “Cachimbo da Paz” e o rock na canção “Até quando”. Como surgiu essa junção no seu trabalho?
Quando estava na faculdade, eu fiz um trabalho sobre tribos urbanas. Então, eu fui no Baixo Gávea que, lá no Rio, é um point em que as pessoas vão para tomar cerveja na rua. E na época tinha motoqueiros, hippies... Era bem nítido que cada pessoal tinha mesmo seus grupos. Eu entrevistei cada um deles e comecei a refletir mais sobre isso. Eu sempre admirei as misturas das músicas também, as pessoas mostrando a sua essência. No meu primeiro disco já tinha alguma coisa disso. Eu experimentei muito, mas dentro da lógica do rap, do sample, do groove. Mais para frente, usei um pouco mais de rock, que eu gosto muito. Eu fui um dos primeiros a misturar samba com rap também. O rap sempre foi muito aberto a isso.
Você é um dos pioneiros do hip hop nacional. Como você vê hoje a influência do seu trabalho no movimento?
Em 1993, gravei uma fita num estudiozinho e mandei pra uma rádio, que era “Tô Feliz, Matei O Presidente”. Essa música acabou chamando muita atenção, mas foi censurada. Então, por consequência, eu passei a ser também. Depois disso, eu lancei meu disco, e chamou ainda mais atenção. Por uma escolha minha de frequentar a TV Globo, SBT e programas de grande audiência, acabei conseguindo levar o rap pra um público maior. Eu fui mais um pioneiro que veio para mostrar melhor esse gênero musical, e essa sempre foi minha intenção. Eu trazia outros grupos de rap comigo, tentava mostrar que era um movimento. O meu terceiro disco, “Quebra-Cabeça” que estourou muito e vendeu um milhão, fez com que as gravadoras procurassem outros rappers. As rádios tocaram Racionais, uma coisa que eles não buscaram, mas aconteceu justamente por causa dessa ascendência. Em Portugal também, o pessoal tem um carinho muito grande por mim, por ter aberto portas também em rádios e tudo. Eles estavam desistindo de cantar em português e aí meu disco começou a tocar lá, sendo que antes eles iam fazer a letra em inglês porque estavam sem espaço. Então eu fico feliz em fomentar essa cultura.
Como você formou o estilo próprio do Gabriel, O Pensador?
Eu usava capuz, boné, um chapeuzinho. E uma vez eu ouvi um comentário curioso de um fã que me fez pensar sobre a minha imagem. Era um cara que quando eu tinha 19 anos, ele tinha uns 15. Ele estava andando com um casaco de capuz, que na época era uma coisa meio rara, aquela coisa de usar roupa larga e tal, não era como hoje. Era uma coisa do Gabriel, o Pensador e do Chorão, digamos assim. Um dia, ele foi enquadrado, e o policial falou: “tira esse capuz moleque, tá pensando que é Gabriel, o Pensador?”. Aí que eu fui me tocar que até isso era importante, sair do padrão de roupa, do jeito de falar. Eu nunca imaginei que o fato de usar aquele capuz, que era uma coisa meio rebelde minha, de chegar no Faustão, no Jô Soares, todo encapuzado, era uma forma de mostrar uma contracultura, de se libertar de um patrulhamento do próprio rap na época. No terceiro disco, que era um disco mais pop, eu lembro que eu usava umas roupas que hoje eu acho ridículas, mas eu penso que foi meu subconsciente querendo mostrar que f*-se qualquer coisa de patrulhamento. Com tudo que eu já tinha feito pelo rap, eu não tinha que me preocupar em ter uma postura parecida ou igual com questão de roupa.
Como você se vê como um formador de opinião que usa plataformas que vão das redes sociais ao palco?
Hoje eu vejo que até num post do Instagram, um poema que eu faço pode mudar o dia de pelo menos uma pessoa. Eu recebo mensagenzinhas também sobre isso. Tem muita história louca, assim, que me arrepia, e que eu falo muito nas palestras que eu dou pelo Brasil. Nelas, tem uma boa parte que eu falo sobre esse poder da música, sobre a influência que cada pessoa tem na vida da outra, não só o artista, mas você com o seu gesto, com a sua atitude, até com seu sorriso, com sua gentileza. De um velhinho que voltou a estudar, que ia desistir, ao o cara que enfrentou doenças ou problemas psicológicos, desistiu de cometer suicídio, saiu das drogas. Então por isso que eu fico muito feliz em fazer o que eu faço, cada vez que eu tô no palco eu lembro de tudo isso, assim, que pode estar por trás de cada um cantando junto, sabe. Para mim é uma honra saber que minha música ajudou, fez parte ou faz parte da vida de alguém.
Por que você decidiu abordar o tema bullying no livro “Um garoto chamado Rorbeto”, que lhe rendeu o prêmio Jabuti?
Eu estudei comunicação. Fiz só dois períodos e depois fui gravar o disco, tranquei e não voltei mais. Mas tenho o jornalismo aqui também, sempre gostei de escrever.
Desde moleque, admirei e admiro as pessoas que têm estilo, que têm coragem de buscar uma autenticidade. Eu acho que a gente vive num mundo em que as ideias vêm prontas, as coisas são muito padronizadas e muita gente tenta se encaixar e até sofre escondido por isso. Daí, a gente sabe que surgem os distúrbios psicológicos de vários tipos. O livro que eu escrevi para crianças tem a ver com isso, o menino tinha muito medo de ser descoberto como uma pessoa diferente porque tinha 6 dedos na mão direita. Descobriu isso e ficou apavorado! O objetivo era falar sobre a aceitação das diferenças, educar mesmo.
Quais são seus projetos para 2019?
Agora, eu não tô me preocupando em gravar álbuns, em gravar discos, nem mesmo compilar músicas pra lançar juntas no Spotify. Eu tô lançando assim, aleatoriamente. Têm algumas ficando prontas, mas eu não sei qual vai ser a próxima. Tem uma com a Amanda Coronha, minha amiga, que a gente já gravou, falta terminar o clipe, falta mixar. E ao mesmo tempo, tem uma com o Mc Estudante, que é um cara que estava rimando no trem para pedir dinheiro. Já gravei com ele, falta terminar a música para fazer um clipe. Aí, de repente, eu tenho a ideia do “Um Só”, que lancei correndo, porque o tema era atual e eu queria lançar agora, na eleição. Isso acabou atropelando e furou a fila. Então, não tenho muitos planos para o futuro, mas deveria. Queria dar mais atenção às outras coisas que eu escrevo que não são músicas; os poemas, outras ideias que tem lá no computador, queria lançar mais um livro. Então, eu tenho esses planos, mas tudo sem prazo, tudo solto. E a estrada, sempre. Tô sempre na estrada – palestra e show. Isso aí não é nem plano, já é o dia a dia, já é contínuo.
Como você se define em meio à tantas produções?
Bom, não tento me definir muito, mas eu acho que por trás de tudo está a comunicação. Acho que a vida é feita de pequenos nadas, e que são importantes também. Por exemplo, a ideia de fazer um livro de repente virou peça de teatro, eu quis fazer o texto pra peça e fiz, e foi do c*. Eu acho que me definiria com um cara assim, que gosta de conhecer, de aprender, de trocar, né. A vida é feita também disso, desses encontros, dessas conversas, eu gosto muito disso. E amo música né, então juntei as duas coisas. Mas não é pra tentar me definir. Eu sou muito emotivo! Muito emotivo e muito sensível. O meu nome é “O Pensador”, mas é muito o sentimento, a emoção antes do pensamento.
A INFLUÊNCIA DO HIP HOP
Todos os dias, Joaquim de Oliveira Ferreira busca encarar a realidade com persistência. Palavra que define sua vida, cada superação o fez crescer e se tornar a importância que é para o Hip Hop. Joaquim é conhecido artisticamente como King Nino Brown, um dos pioneiros do movimento no Brasil.
Quando era jovem, buscava conhecimento e apoio nas músicas, pensando em um futuro imerso de cultura. Com uma mão na frente e a outra atrás, o pernambucano que saiu do Nordeste ainda criança, não desistiu e procurou o máximo nas oportunidades para chegar onde chegou. Trabalhou, estudou o Hip Hop e se tornou um dos nomes mais significativos do movimento nacionalmente.
Falar de King Nino Brown nesse meio, é perceber a influência que ele tem, difícil encontrar alguém do movimento que não conheça esse nome, que logo é dito como humilde e guerreiro. King procurou trazer essa cultura para os jovens que precisam e buscam ajuda, para não se afundarem em uma vida perigosa e sem volta.
É isso que o movimento representa? Na verdade, o grupo é isso. O Hip Hop traz às pessoas a liberdade de expressão através das músicas, da dança, do grafite e do som. Esse movimento vem crescendo a cada dia, com jovens que conhecem e se apaixonam, com crianças que nascem nesse meio e descobrem seus talentos ainda na infância e adultos que precisam se apoiar no Hip Hop para sobreviver fora do crime, das ruas.
A importância do Hip Hop para a cultura brasileira e para seus representantes, que através dos elementos, conseguem criticar, conscientizar, ensinar e encorajar. Isso através da música cantada, dançada, grafitada e tocada. No movimento, ninguém busca mais do que o direito de ser humano, eles buscam a cada dia, o verdadeiro reconhecimento de quem são.
QUEM SOMOS
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